Reforma tributária com mindset da economia digital, agora vai?
Por Simone Siman
A pergunta que não quer calar foi o ponto de partida do painel Reforma Tributária – Impactos na Economia Digital, promovido pela ABO2O – Associação Brasileira Online to Offline. Realizado recentemente (junho), em São Paulo, com apoio da TozziniFreire, Distrito Fintech, Record News, Inova360 e Instituto Startups, o evento atendeu ao propósito de representar e defender os interesses coletivos da economia colaborativa e das plataformas digitais. Participantes e associados ABO2O, de diversos setores da economia, tiveram a oportunidade de debater os próximos passos e colaborar com a proposta de reforma tributária que avança no debate público e promete ser uma das importantes medidas para desburocratizar o país e tornar o ambiente mais favorável para a realização de negócios.
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) n.º45 (de 2019) acena para o Brasil como um modelo tributário simples, eficiente, cooperativo e possível, segundo os idealizadores. A proposta unifica cinco tributos atuais – dos quais três federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) – em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Mas e na prática? Como funcionará o sistema que prevê alterar a dinâmica de impostos em todas as esferas públicas, além de aspectos estruturais como a inversão da tributação pelo princípio de origem para o de destino? Em quanto tempo se fará a transição me caso de aprovação?
O objetivo do encontro foi aproximar seus idealizadores e lideranças do setor para responder essas questões e discutir implicações sob a perspectiva de concretização. A PEC 45/2019 recebeu recentemente a aprovação simbólica (sem registro), dos votos favoráveis de quase todos os partidos da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
“Em eventos como esse, mais do que compreender a pauta, mudanças e eventuais impactos diretos na nova economia, o setor tem a chance de se posicionar e até de influenciar políticas públicas”, explica Marcos Carvalho, Head de Parcerias e Novos Projetos da ABO2O, que organizou a agenda. Poucas horas depois do evento a Câmara dos Deputados criou a Comissão Especial para discutir a Reforma Tributária e aguarda os líderes partidários indicarem seus integrantes.
Às vésperas de seguirem com a PEC 45 para o Congresso Nacional e abertos à sugestões e ponderações sobre especificidades mercadológicas, os diretores do think tankindependente (CCiF– Centro de Cidadania Fiscal), Eurico di Santi, e Bernard Appy direcionaram perguntas com intuito de promover reflexões e responderam dúvidas dos presentes.
Especialistas revelam como a PEC 45 pretende inovar
Proposta simplificada – Desde a década de 90, algumas tentativas de reforma tributária foram colocadas em curso mas nenhuma chegou à realização e o mercado segue infeliz com o modelo complexo vigente. Com mais exceções do que regras, a atual rotina classificatória e as constantes modificações de parâmetros induz ao erro.
A PEC 45 pretende transformar 5 impostos em 1. A receita deve ser repartida entre todos os entes federativos. A ideia é operar quase sem exceções, mas a União não descarta instituir um imposto extra sobre produtos como bebidas alcoólicas e cigarros.
Empoderamento do eleitor – “É realmente impossível hoje calcular a soma da carga tributária”, alerta Santi, que complementa: “sem contar que a sociedade fica excluída do debate que orienta essa composição”. Com a PEC 45 em vigor, o federalismo ganha força por meio de uma gestão compartilhada do IBS. Indiretamente, a sociedade participa das decisões ao exercer seu direito ao voto no processo democrático.
Gestão compartilhada – A cobrança, regulamentação e fiscalização do novo imposto fica a encargo de um Comitê Gestor – gerido conjuntamente pela União, pelos Estados e pelos municípios.
Neutralidade – A proposta substitui com nova visão a dinâmica tributária atual, que na opinião de ambos os especialistas, “não consegue enxergar o todo com neutralidade”.
Tributação pelo destino – o mapeamento da tendência de que os novos negócios enveredarão cada dia mais para serviços fez os técnicos proporem a tributação do consumo em lugar da produção.
Alíquota única – Conforme texto e proposta, a alíquota será única e paga pelo consumidor; emtransações interestaduais e intermunicipais a receita vai para o Estado ou município de destino.
Empresa = carga tributária zero – Considerando o cenário proposto de que quem paga a carga tributária sobre o consumo é o consumidor e as Empresas (Indústria, comércio e serviços) venham a operar como simples responsáveis tributários em um sistema plenamente não cumulativo, a PEC 45 poderá evitar “resquícios tributários” e a “tributação em cadeia”, situações que ocorrem e sobrecarregam as companhias no sistema atual.
Transição para distribuição de longo prazo – Até que a chave da atual distribuição da receita vire completamente para distribuir pelo destino, a PEC 45 propõe uma transição mais longa, a ser concluída em cinco décadas.
Jornada de desenvolvimento – cientes de que governo nenhum mandaria burocratas desenvolverem uma proposta complexa como essa em cerca de dois meses, o estudo CCiF para o desenvolvimento da proposta foi iniciado em 2015. A ideia é fazer a implementação em 10 anos, sendo os dois primeiros dedicados à transição inicial. Outros Países (a exemplo da Índia) que utilizam o modelo de alíquota única optaram por uma implementação em curto prazo e hoje enfrentam problemas graves. Para Appy, “é como se tivesse que trocar os pneus de um carro em movimento”. A pressa poderia prejudicar o sucesso do plano, na avaliação do economista.
Fim da Guerra fiscal – A PEC 45 proíbe a concessão de benefícios no âmbito do IBS, esse instrumento não estará mais disponível. A mudança também interromperá o processo de corrosão das bases tributárias dos Estados que resulta da guerra fiscal. Em contrapartida, prevê a alocação de recursos orçamentários da União para financiar a política de desenvolvimento regional.
Vocação regional – Segundo os especialistas,teremos a substituição de uma política de desenvolvimento que tem se mostrado extremamente ineficiente – porque a concessão de benefícios não explora as vocações regionais – por uma política eficiente de desenvolvimento regional.
Informatização sistêmica – O sistema será único e automatizado para todo o Brasil.
Vanguarda digital pega a onda da PEC 45
As empresas da vanguarda da economia digital nacional se posicionaram na crista de uma onda gigante. Quem as vê no topo e vem tentando atravessar a rebentação bem atrás delas pode imaginar, mas não tem a dimensão real do desafio que é chegar e se manter lá em cima. Quanto mais alto, maior é a dificuldade de equilibrar a operação dividida entre ir mais rápido rumo ao futuro em busca das metas agressivas e o risco de tomar um caldo nas águas turvas e atribuladas da burocracia nacional.
Contra a corrente do mindsettecnológico e transformador do meio digital, os velhos entraves ameaçam derrubar até empreendedores experientes em desenvolver soluções inovadoras e colaborativas, voltadas a mercados novos e adjacentes.
A praia dos empreendedores digitais é a mudança e há tantos dados quanto grãos de areia no universo para usarem no envolvimento de clientes de maneira mais eficiente. Já o sistema tributário brasileiro está estagnado e ancorado em um cenário de retração econômica.
Para não ficarem à deriva se a PEC 45 for aprovada no Congresso e as amarras se soltarem, especialistas e advogados da área tributária de marketplaces digitais associados à ABO2O, que participaram da mesa, ouviram atentamente os parâmetros da PEC 45 e enriqueceram o debate com pontos específicos até chegarem a um consenso.
Para Rafael Fassini, Tax Planning LATAM da 99 e Líder do Comitê Tributário da ABO2O,uma iniciativa que diminui as obrigações acessórias e o contencioso fiscal é recebida com bons olhos pelo setor. “Agora é ampliar o olhar e acompanhar a tramitação no Congresso Federal”, conclui Fassini.
Rodolfo Araújo, Head de Tax iFood, ponderou que um sistema tributário que repassa a conta para o consumidor traz um ponto de atenção para startups que operam de forma diferente das empresas de economia tradicional: “muitas consideram estratégico absorver a carga tributária por um tempo”.
Ao final, avaliou que “é muito difícil discordar da base da reforma da PEC 45, embora acredite que para empresas como iFood, que ligam três pontas (empresas, restaurantes e entregadores), será um pouco mais complexo operar sob o princípio destino e necessário aumentar o repertório sobre o tema. Mas, no final das contas, com o ganho esperado no potencial de consumo na casa dos 10%, segundo estimativas da equipe CCiF, todos ganham”, complementou.
Já para a advogada tributarista Renata Belmonte, que acompanhou a tramitação de propostas de reformas tributárias que não foram aprovadas nos últimos sete anos e ouve colegas da classe receosos sobre a simplificação da PEC 45possivelmente diminuir a oferta de trabalho para tributaristas à medida que propõe alíquota única: “o momento é de olhar para o coletivo”.
Jerry Levers de Abreu, Sócio da área Tributária do TozziniFreire – escritório mantenedor da ABO2O, que palestrou no evento, está seguro: “Estou super habituado aos projetos greenfiled(projetos ainda no papel nos quais o investidor coloca seus recursos na construção necessária para a operação). Não tenho receio nenhum porque o potencial da economia digital é enorme”.
Appy concorda: “não olhe a posição relativa no futuro, olhe a absoluta. O mercado será 10% maior”. É essa a margem que os especialistas apontam para o aumento do PIB nacional com a implementação da PEC 45, em 15 anos. Com a aposta no crescimento da economia vem a expectativa de um mercado mais aquecido. Santi antes de deixar o evento lançou uma convicção: “Nunca houve um momento político tão favorável para aprovação da PEC 45. O Congresso Nacional está aberto, inclusive, a discussões para modificar a legislação modelo da Zona Franca de Manaus”.
Embora haja uma atmosfera favorável à apresentação no Congresso na próxima semana, os propositores acreditam que a proposta será levada ao Superior Tribunal Federal (STF)e que sua aprovação se dará após o recesso, até setembro desse ano. Ainda dá tempo de contribuir. Por isso Santi também deixou uma pergunta aos associados ABO2O que soa como um convite bastante oportuno: “como você gostaria que fosse?
Sugestões, críticas e dúvidas podem ser enviadas aos especialistas do CCiF pelo email : ccif@ccif.com.br