Webinar acontece na próxima terça-feira, às 9h, e apresenta um estudo, desenvolvido pelo Instituto Cordial em parceria com a ABO2O, que revelou detalhes pouco conhecidos sobre os deslocamentos urbanos na cidade de São Paulo e os seus reflexos, tais como os acidentes. Uma das conclusões do levantamento é que, embora o número de motocicletas seja maior no centro da capital paulista, a probabilidade de um sinistro ou acidente é maior na periferia.
O estudo foi desenvolvido pelo Instituto Cordial em parceria com a ABO2O. De acordo com Luis Fernando Villaça Meyer, diretor de operações do Instituto Cordial e um dos autores da pesquisa, o objetivo do estudo foi abordar novas perspectivas sobre a mobilidade urbana.
“Temos hoje um modelo carrocêntrico, no modelo individual. Precisamos de uma matriz mais mista, voltada para modos compartilhados, de forma que possamos usar os espaços da cidade de maneira mais eficiente e inteligente. Para tanto, precisamos entender os movimentos dentro da cidade”.
Índice de conectividade de ruas
O estudo está concentrado no entendimento do chamado Índice de Conectividade de Ruas. Para entender o seu significado, é necessário entender outros três subindicadores. Eis:
Terra alocada por ruas – em linhas gerais, trata-se de um indicador que aponta a quantidade de tudo aquilo que existe no espaço público (calçada, asfalto, canteiro central e outros) sobre a área total de um distrito (caso da República, uma área na região central de São Paulo). O resultado dessa conta é o que Meyer aponta como área disponível para intervenção do espaço público.
Densidade de interseções – O termo pode ser substituído por densidade de cruzamentos de um determinado distrito. É subindicador que mostra a possibilidade de caminhos diferentes para você seguir. Se temos quadras longas, logo você demora muito para fazer uma curva e ir para outro lugar. Se as quadras são menores, a mudança de direção é mais rápida.
Densidade de vias – É a quantidade de ruas sobre área do distrito, que diz o quanto essas ruas são distribuídas ou separadas dentro de um bairro.
De acordo com Meyer, as áreas mais centrais, especialmente na República, possuem um dos maiores índices de área da cidade. Ou seja, a quantidade de área disponível para intervenção é maior se comparada com a imensa maioria das periferias da cidade.
Por outro lado, as áreas de interseções (ou a maior quantidade de cruzamentos são mais comuns na zona leste da cidade e outras áreas fora do centro de São Paulo.
“E por que isso é importante para a gente? Especialmente no indicador de terra locada para ruas, elas indicam boas possibilidades de intervenções nesses espaços públicos. Neles, podemos alargar calçadas, aumentar a vegetação urbana, implantar ciclovias, pontos de apoio para entregadores e outras infraestruturas. Na periferia temos um problema: as ruas são mais estreitas de uma forma geral”, afirma Meyer.
Viagens e infraestruturas
Outra conclusão importante do estudo é sobre origem e destino das viagens urbanas. O estudo observou uma forte concentração de viagens com destinos a lugares com concentração de empresa e renda, tais como Pinheiros, Faria Lima e arredores da Avenida Paulista.
“Acontece que são basicamente esses lugares que possuem mais ruas, além de logradouros e calçadas mais largas. Isso tudo se retroalimenta em um círculo vicioso com mais investimento e dinamização desses espaços. O resultado disso aparece na outra pontoa: há dificuldade de fomentar outras centralidades que poderiam ter outra dinamização econômica, social e de uso do espaço”, afirma o diretor do Instituto.
Viagem de bicicleta
Outro fenômeno analisado no levantamento diz respeito ao impacto das bicicletas na dinâmica urbana da cidade. De acordo com Meyer, existe uma concentração de infraestrutura para “bikes” nas áreas centrais, a chamada última milha da viagem de casa para o trabalho. Ou seja, falta infraestrutura nas periferias para as bicicletas. O ponto positivo é que a distribuição de vias para bicicletas na cidade não possui uma concentração, ou seja, está em toda a cidade.
Diário de motocicleta
Um dos dados mais surpreendentes do estudo mostra o que acontece no cotidiano das motocicletas na cidade. Segundo o estudo, as viagens de motocicletas estão concentradas na região central de São Paulo, mas engana-se quem se apresse em afirmar que o número de acidentes é justamente maior no Centro.
De uma forma geral, de 2013 a 2019, aconteceram 124 mil sinistros, sendo que 77 mil foram com motocicletas. “E o que a gente fez? Dividimos a quantidade de sinistros pelo volume de viagens em cada distrito e identificamos que, proporcionalmente, a maior parte dos acidentes está concentrada nas periferias. Então, por mais que tenhamos mais viagens nas áreas centrais, o risco de motocicleta sofrer sinistro é maior nas periferias, onde a gente precisa de mais sinalização, fiscalização e cuidado específico com os motociclistas que estão voltando para casa no final do dia”, explica Meyer.
Opiniões
Na avaliação de Vitor Magnani, presidente da ABo2O e CEDI da Fecomercio/SP, o estudo contribui para o enriquecimento do debate sobre a segurança no trânsito. “Até pouco tempo, quando havia um debate sobre segurança no trânsito, a culpa era sempre do motorista, aplicativo ou outro fator. Então, o estudo mostra que existe sempre uma maneira de olhar que não seja transversal. Isso prejudica o debate de políticas públicas, que realmente tem que considerar uma gama muito maior de fatores para tomada de decisão”, afirma.
“Até pouco tempo, quando havia um debate sobre segurança no trânsito, a culpa era sempre do motorista, aplicativo ou outro fator. Então, o estudo mostra que existe sempre uma maneira de olhar que não seja transversal”
Lilian Lima, public policy da 99 e líder do comitê de mobilidade da ABO2O, também se surpreendeu com a concentração de sinistros nas periferias. “Pelo menos para mim, não era um dado trivial. Hoje sabemos que a maior parte dos sinistros, proporcionalmente, está nas periferias. É um assunto que precisa ser pensado com o gestor público. Além disso, temos outro desafio: o estudo mostra a dificuldade em fazer intervenções ali (nas periferias). Vale discutir exemplos e boas práticas que temos no Brasil de cidades que estão conseguindo inovar. A Fortaleza é sempre uma boa referência”, afirma.
“Hoje sabemos que a maior parte dos sinistros, proporcionalmente, está nas periferias. É um assunto que precisa ser pensando com o gestor público”
Segundo Mariana Cruz, coordenadora de relações governamentais da Tembici, startup de compartilhamento de bicicletas, destaca que outro desafio do poder público é garantir o uso democrático das vias urbanas. “Precisamos pensar como deixaremos parte do leito carroçável melhor compartilhado possível para os diferentes modais. Hoje em dia, o que temos, na maioria das cidades, é que 80% dos espaços são dedicados à circulação de carros”.
“Precisamos pensar como deixaremos parte do leito carroçável melhor compartilhado possível para os diferentes modais. Hoje em dia, o que temos, na maioria das cidades, é que 80% dos espaços são dedicados à circulação de carros”.
Anna Carvalhido, head de políticas públicas do Rappi, celebrou os insights do estudo, mas destacou ainda um fenômeno que ocorreu na pandemia: o aumento de entregadores no espaço público. “Do lado do delivery, temos visto a reorganização do uso do espaço público. Por um período ficou visível um aumento no número de entregadores nas vias e, agora, a gente percebe uma certa volta “normalidade”, com a retomada das atividades. Mas a questão é: como a pandemia mudou ou mesmo afetou o uso do espaço público? É um assunto para outro estudo ou debate”, afirma Anna.
“Do lado do delivery, temos visto a reorganização do uso do espaço público. Por um período ficou visível um aumento no número de entregadores nas vias e, agora, a gente percebe uma certa volta “normalidade”, com a retomada das atividades”
O webinar será realizado na próxima terça-feira, das 9h às 10h30. Para conferir,
acesse: https://youtu.be/