Não há como ter certezas quando se entra no campo de uma inédita e polêmica batalha entre fisco e contribuintes. O cenário atual é a prova de fogo para o profissional Legal garantir que as atividades sejam feitas da maneira correta e que o setor jurídico possa alinhar os objetivos e operações de negócios com os dispositivos legais preestabelecidos. A missão de conduzir tudo em conformidade com a lei, de acordo com o potencial desenvolvimento, vem sendo dificultada pelo caos tributário instalado, divergências que bombardeiam os Tribunais de Justiça e chegam ao STF (Superior Tribunal Federal) por meio de ADIs ajuizadas.
Para ajudar a orientar os próximos passos, ainda no escuro, o Comitê Tributário da ABO2O (Associação Brasileira Online to Offline), que representa interesses coletivos de mais de 140 plataformas digitais, realizou um debate com o apoio TozziniFreire Advogados e intuito de instruir associados sobre as melhores táticas para avançar com Difal (Diferencial de Alíquotas), DIMP (Declaração de Informações de Meios de Pagamentos) e possíveis bálsamos que surgem no front, como o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), já no radar para aliviar as dores O2O de forma surpreendente até a bandeira branca subir.
Caos tributário no radar; recalculando rota
“A ideia aqui é aplacar as crescentes dúvidas sobre obrigações acessórias e revisitar temas paralelos a tributos que podem causar problemas, fiscalizações e penalizações em meio a um cabo de guerra jurídico-político”, disse na abertura o líder do Comitê Tributário, Thiago Brazolin Abdulmassih, que assina também como Advogado Sênior da Fintech Hash. O evento contou com a participação dos advogados do escritório TozziniFreire, Lisandra Nardi, que trouxe uma contextualização histórica para compor um retrato fiel do desafio Difal atual, e Ricardo Maitto, que explicou a importância de as empresas avaliarem posicionamentos em relação à aplicação DIMP para o segmento, além de situar as associadas diante da oportunidade de enquadramento com direito à isenção de impostos e contribuição social por cinco anos.
“O STF tem se especializado em fomentar o caos tributário nas relações jurídicas dos contribuintes. Mas o caos não foi gerado somente pelo STF. O Poder Legislativo e o Poder Executivo tiveram também sua parcela de culpa nessa situação que enfrentamos hoje”, defendeu a doutora Nardi em razão da postura dos estados, quando os contribuintes iniciaram a discussão judicial sobre a possibilidade de se exigir o Difal mesmo sem a edição de lei complementar e outros despautérios. “Houve uma corrida no Senado para discutir com as bases no Congresso a aprovação de uma lei complementar até o final de 2021 (que teria vigência em 2022). A tramitação foi rápida, mas não avançou bem na Câmara. Resulta que o Projeto de Lei 32/2021 seguiu para sanção presidencial em dezembro de 2021, mas o presidente perdeu o prazo e não sancionou a lei complementar à época (só foi publicada em 05 de janeiro de 2022)”, comenta Nardi.
Não está fácil (nem legal) para ninguém: eis a questão
“Todos os poderes contribuíram para a criação de uma nova relação jurídico-tributária”, sentenciou a advogada antes de detalhar sob que circunstâncias se configurou o imbróglio, desde que o STF reconheceu a inconstitucionalidade da exigência do Difal sem Lei Complementar prévia, isentou do ordenamento jurídico a exigência, que voltou a ser exigida regularmente com a edição da LC 190/2022 (que por ser nova legislação, deve respeitar a todos Princípios Constitucionais; incluindo a anterioridade anual e nonagesimal).
Soma-se a isso a balança do Supremo pendendo para o parecer político em detrimento do jurídico devido às alegações orçamentárias trazidas pelos estados (que criaram mecanismos próprios e anteciparam-se a cobrar diante da inação na esfera superior). Enquanto isso, contribuintes dividem-se entre pagar agora ou esperar que o “valendo” comece em 2023, (apoiados na produção de efeitos da LC 190/2022, no que se refere à exigência do Difal pelos estados e pelo Distrito Federal) ou ainda acionar os Tribunais de Justiça, que já suspenderam centenas de liminares, embora existam pareceres favoráveis às reclamantes.
“Esperamos ansiosos a inclusão desse processo em pauta e para ver como o Supremo vai sair dessa saia justa e resolver o problema causado pelo fato do Executivo não ter sancionado a Lei Complementar em tempo hábil da aplicação das anterioridades. São obrigações acessórias muito fechadas e complexas; as plataformas, por exemplo, sofrem alto impacto no ICMS incidente na transferência de mercadorias de um estabelecimento para o outro. Cada dia uma emoção com as novas decisões do Supremo, a quem caberá a decisão final. A experiência diz que empresas devem avaliar entrar com ação judicial para mitigar o risco da corda arrebentar do lado delas”, conclui Nardi.
“Importante recebermos este status em relação aos recursos, pois divulgações recentes em mídias jurídicas enfatizaram todas as suspensões de segurança feitas pelos Tribunais de Justiça e isso pode dar a impressão para muita gente de que a discussão está encerrada. E não é bem assim. Ainda temos muito para caminhar”, comenta a liderança Brazolin ao passar a palavra para o convidado especialista em direito tributário, Maitto, dar seu alerta sobre riscos ao negligenciar uma obrigação acessória mensal destinada a oficiar aos fiscos estaduais dados sobre as transações realizadas para identificação de recolhimento (ou não) de tributos (com foco no ICMS).
“Há uma impressão equivocada de que a declaração de meio de pagamento só é cabível aos bancos. A abrangência é maior do que se imagina; qualquer empresa que faça parte do sistema de pagamento está sujeita a penalidades, desde que se começou a discutir a instituição da DIMP. Recentemente houve uma ampliação do escopo e essa obrigação foi estendida para os intermediadores (agenciadores, plataformas de delivery, marketplaces e similares), que devem entregar a DIMP. A regra é clara, mas muitas empresas não têm essa clareza mesmo estando obrigadas a ela e, embora exista manual especificando o tipo de dados a serem prestados, há discussões sobre como fazer isso. Ainda não temos nenhuma medida judicial que suspenda a entrega da DIMP e quem não entrega está sujeito à penalidades”.
Maitto explicou que há uma imprecisão que gera dúvidas recorrentes sobre qual é a penalidade por não entregar a DIMP: “segundo observamos dia a dia, ainda não há fiscalização sistemática, mas pode ser que amanhã aconteça este movimento, especialmente em São Paulo, onde estão concentradas as operações de maior relevância”, explicou. Maitto também ilustrou o grau de dificuldade de cumprimento dos requisitos da entrega, pois existem especificidades e, dentre outras, destacou: “É uma questão complexa, pois as empresas precisam entregar 27 arquivos com informações sobre transações nos respectivos estados da federação, o que já é um desafio pois requer constante atualização sobre especificidades das legislações de cada estado (como vivenciamos em relação ao ICMS)”.
As perguntas de milhões
“Interessante citar que o que estas obrigações acessórias, normalmente, trazem de menos são informações sobre como devem ser cumpridas. A cláusula quinta do convênio ICMS 134/16 (que foi ampliado pelo convênio 148) diz que a entrega da DIMP pode ser transferida à instituição ou arranjo distinto responsável pelo cadastramento do estabelecimento (que na linguagem dos meios de pagamento são os adquirentes). A condição é que seja mantida a segurança, inviolabilidade e sigilo das informações. Mas como fazer esta transferência? É uma pergunta que fica ecoando no mercado”, questiona Brazolin. “E a outra pergunta que devemos fazer é: por que um banco cumpriria com a obrigação terceirizada que ele não é obrigado a assumir? Por que se encarregaria de preparar 27 arquivos todo mês?”, endossa Maitto
Nem só de ônus é minado o campo tributário; isenções via Perce são dica de ouro
“Em tempo de garimpar meios de planejamento tributário, surge uma oportunidade inusitada para o segmento de empresas de tecnologia (que não atuam diretamente da área de eventos), mas podem se beneficiar do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), agora convertido em Lei, para vocês pensarem. Uma surpresa bem-vinda para o setor é a portaria que foi publicada em junho do ano passado e tem um rol amplo a ponto de poder enquadrar algumas empresas O2O. Como exemplo, destaco a atividade de intermediação ou agenciamento de serviços e de negócios em geral (exceto imobiliários) 5620101, mas vale consultarem a lista de CNAES para verificar se cabe ao segmento, pela literalidade da Lei, a isenção de IR e contribuição social por cinco anos a partir de março 2023.
Sobre o enquadramento atrelado aos CNAEs, o líder Thiago Brazolin lembrou o aspecto binário e a necessidade de pesquisa: “muita gente está dentro e muita gente está fora”. Para concluir, abriu espaço para perguntas e sobre a dúvida envolvendo o sigilo bancário no caso das informações sobre transações, fez menção ao exemplo trazido pelos convidados em sede de recurso com um apontamento do desfecho: “vai ter a chancela do Judiciário, por bem ou por mal”. Assista a este debate na íntegra e confira a cena e instrumental para as três frentes quentes e demandas da área tributária no Brasil.
Assista ao vídeo na íntegra ou escute o Podcast.