É possível ser feliz usando o transporte público? O senso comum muito provavelmente diria que dificilmente isso aconteceria no Brasil, mas a experiência de usuários com ônibus ou transporte sob trilhos em outros países mostra que, sim, essa relação pode ser realmente muito boa.
Na Finlândia, apontada como o povo mais feliz do mundo por quatro anos consecutivos, segundo o relatório WHR (World Happiness Report), a dispensa pelo uso de carro abreviou o incômodo de ter que encontrar vagas para estacionar onde a oferta de espaço era restrita. Além disso, em Helsinque, um finlandês pode escolher se locomover de ônibus, VLT, carro compartilhado, bicicleta ou táxi usando apenas um app.
Essa mentalidade, atrelada a outras iniciativas, estão inseridas no contexto do Mobility as a Service (MaaS), uma tendência voltada a resolver muitos problemas de mobilidade que ocorrem no transporte público – inclusive no Brasil. Já se fala no surgimento de um novo segmento: a mobfintech.
Mas o que é esse tal de Maas?
Mobility as a Service ou apenas “MaaS” significa, na prática, conveniência e experiência a um clique do usuário. O usuário poderia, por exemplo, comprar créditos de transporte de forma integrada.
Porém, essa ideia transcende o pilar de conveniência e experiência. Para políticas públicas, MaaS se traduz em modernidade, sustentabilidade, entre outros, tudo isso orientado sob dados.
“Uma implementação assim permite a criação de descontos em recargas, planos mensais de assinatura de mobilidade, incluindo serviços públicos e privados de modo ilimitado (MaaS), a exemplo do que acontece na Finlândia ou Londres. É a mobilidade mais sustentável, com alternativas multimodais competitivas, em relação ao uso de carros particulares“, diz Luisa Peixoto, líder do GT de Bilhetagem, criado pelo Movimento Inovação Digital (MID).
“O GT de bilhetagem eletrônica trata da fusão dos inputs de meios de pagamento e mobilidade. Levaremos inovação para os meios de transporte conquistarem a tão sonhada integração; com impacto de melhoria da qualidade dos serviços e inclusão. Para isso, é preciso que os sistemas sejam abertos”, complementa Peixoto.
Ganha-ganha na bilhetagem inteligente
Dentro do GT, já existem algumas conclusões importantes. Uma delas é que existem quatro pontos prioritários para o Mobility as a Service, quais sejam: estratégias, além de melhores práticas no uso de sistemas interoperáveis, armazenados em nuvem, com abertura para comercialização e à Inovação em meios de pagamento/bloqueio.
Há ainda um consenso de que a bilhetagem inteligente é um ganha-ganha para todos: sociedade, poder público, operadores e empresas que ingressarão neste mercado.
Para o poder público, o ganho seria na digitalização dos processos e no aprimoramento das políticas públicas, além de inclusão de novas tecnologias.
Para os especialistas, os sistemas de bilhetagem em cartões comuns, usados atualmente nas principais redes de transporte público no Brasil, podem ser considerados um pontapé inicial, mas o verdadeiro gol será a integração de pagamentos por smartphone.
“Atualmente, o sistema de transporte público brasileiro opera por meio de um único comercializador de crédito. Queremos que cada cidadão possa usar seu smartphone tanto para fazer a compra dos créditos de transporte quanto para desbloqueio das catracas sem ter que usar diversos aplicativos. Temos experiências positivas no sentido de integração em capitais como Rio de Janeiro (que deve ser a primeira cidade brasileira a iniciar bilhetagem digital, em janeiro de 2023, enquanto, paralelamente, Congresso discute o Bilhete Único Nacional), Porto Alegre e Belo Horizonte, bem como em outras cidades brasileiras”, exemplifica Peixoto diante dos desafios e potencial da mudança pleiteada.
Meios de pagamento: favoritismo e acesso democratizado
O estudo da Worldpay from FIS, The Global Payments Report 2022, mostra que as preferências variam entre países, mas cada vez mais os clientes desejam pagar usando métodos alternativos, incluindo carteiras digitais. E o Brasil não é exceção.
“O desafio para o setor de transportes segue sendo como tornar isso possível sob os limites da infraestrutura atual. Precisamos reforçar dois pontos: primeiro, encorajar clientes a utilizar pagamentos online baseados em aplicativos/web. Segundo, alavancar o poder de uma rede de parceiros tecnológicos para construir a melhor infraestrutura da categoria que suportará os métodos de pagamento que os brasileiros preferem”, orienta Juliana Quinteiro, VP Comercial da Worldpay, que oferece no mercado brasileiro as mesmas soluções e experiência adquirida em décadas de atendimento a provedores de transporte nos Estados Unidos e na Europa.
Em relação às preferências dos brasileiros com os meios de pagamento (e seus benefícios) e à projeção para a adoção de bilhetagem digital se tornar realidade com integração, levando em consideração a infraestrutura e potencial de implementação e licitação nos municípios, Quinteiro pontua: “O aumento do uso de meios de pagamentos eletrônicos certamente trará maior rentabilidade para as empresas de transporte, que poderão reinvestir em serviços para torná-los mais inclusivos e acessíveis. O dinheiro não desaparecerá do sistema de transporte nacional da noite para o dia. Mesmo que uma migração significativa para pagamentos eletrônicos ocorra, como já acontece com o PIX e outros métodos digitais, há um número considerável de pessoas que ainda pagam em dinheiro – e devem ter sua escolha igualmente respeitada. É fundamental garantir que as pessoas mais vulneráveis da sociedade, que ainda não acessam meios eletrônicos, não sejam prejudicadas”.
Escalada técnica
Para Quinteiro, teremos um número cada vez maior de cidades enxergando os benefícios compartilhados do sistema aberto no país, tanto para os usuários quanto para os operadores. A escalada técnica também deverá aprimorar uma questão crucial: a prevenção e detecção de fraudes.
“À medida que o mundo e os pagamentos se tornam mais complexos, as pessoas que desejam explorar esses sistemas se tornarão cada vez mais avançadas. Historicamente, a prevenção de fraudes era manual e frequentemente resultava no declínio de boas transações, o que significava perda de receita para os provedores e frustração para os usuários do sistema. Investimos em ferramentas de prevenção à fraudes baseadas em inteligência artificial líderes na indústria, capazes de analisar milhões de transações em todo o mundo e, aplicadas, permitem que os fornecedores de transporte reduzam as perdas com fraudes e aumentem a aceitação de viajantes”, afirma a VP comercial da Worldpay.
Vestir a camisa da bilhetagem aberta é o que falta para colocar o Brasil no jogo da nova era da mobilidade. E tudo indica que, mesmo no Brasil, de apaixonados por carros, os meios de pagamento conseguirão fazer os brasileiros adotarem, felizes, outras formas de transporte (incluindo o público com roupagem tecnológica eficiente) para deslocamentos motivados por trabalho, lazer e outras necessidades.
Tecnologia financeira no ângulo
Em meio a esse cenário de alinhamentos entre concedentes concessionárias, indústria e população, além de intensificação digital na pós-pandemia, há quem aponte para o surgimento de um novo setor que mistura meio de pagamento e transporte no core: é o mobfintech ou “Mobility Financial Technology” (algo como Tecnologia Financeira para Mobilidade).
Um exemplo é a Axis Mobfintech, empresa que fornece tecnologia inteiramente white label, para as grandes concessionárias e a indústria de tecnologia da mobilidade. Dentro desse segmento, a companhia já navega por esse oceano com certa maturidade e autoridade.
“Segundo o que observo em eventos do setor, acredito que os poderes concedentes (municipais, estaduais e federal), responsáveis por fiscalizar, manter e conceder os serviços de utilidade pública ao dispor dos seus cidadãos, entenderam a inviabilidade de se manter a tarifa pública, aquela que o passageiro paga, igual à tarifa de remuneração, aquela pela qual as concessionárias são remuneradas para prestar seus serviços”, afirma Milton Santos, fundador e CEO da Axis.
Vestindo a camisa para avanços
Mas será que tudo é viável sob o ponto de vista tecnológico? “Hoje, existem soluções técnicas viáveis no mercado para superar essa dificuldade, porém elas sbarram em entraves de implementação e ganhos de escala no cenário público brasileiro, a exemplo de QR Code e NFC”, afirma Fernanda Laranja, gerente de Políticas Públicas do Mercado Pago, que oferece no seu portfólio a possibilidade de recarga de bilhete de transporte nas capitais São Paulo e Curitiba e vem trabalhando numa cartela de novas tecnologias para ofertar ao Brasil e América Latina.
“A inserção e fortalecimento dos bancos digitais no setor de transportes contribui para a transparência das transações financeiras no segmento, no curto prazo. No longo prazo, tende a fomentar uma evolução na experiência do usuário através da digitalização do pagamento da recarga, além de estimular o crescimento dos serviços digitais oferecidos para o usuário. É importante ressaltar os grandes ganhos que podem ser atingidos com a dissociação da Bilhetagem com a Operação de Transportes. Para o sistema como um todo, é importante a inserção mais estratégica dos players financeiros, pois assim será possível absorver o know-how dessas empresas nas áreas de pagamentos, prevenção a fraudes e experiência do usuário, conclui Laranja.
“O GT de Bilhetagem vem somar esforços e melhores práticas para virar o jogo com a tática digital de ponta e não tem empate; neste cenário altamente competitivo, todos ganham”, comemora a líder do time de camisas 10 que formam o elenco de representantes de empresas de tecnologia associadas ao MID.