Júlia Cestari é a nova líder do Comitê de Healthtech do Movimento Inovação Digital (MID), entidade com mais de 150 empresas inovadoras. Head de Políticas Públicas da Mevo – healthtech focada principalmente na prescrição digital e dedicada a descomplicar a saúde do paciente por meio da jornada digital – Júlia diz que acredita cada vez mais na promoção de mudanças positivas na sociedade por meio de políticas públicas.
Na conversa com a reportagem, Júlia falou do mercado de healthtechs, de tendências tecnológicas, dos principais desafios para o setor, além de suas propostas e objetivos à frente do Comitê. “O objetivo é ampliar ainda mais os espaços de interlocução do MID com os stakeholders do setor, autoridades e outros grupos da sociedade civil. Quanto mais chances tivermos para promover esses encontros, mais poderemos identificar oportunidades de avanço da agenda institucional”, destacou. Confira a entrevista com Júlia Cestari:
MID – Quais são seus objetivos à frente do Comitê?
Júlia Cestari – O principal objetivo é ampliar ainda mais os espaços de interlocução do MID com os stakeholders do setor, autoridades e outros grupos da sociedade civil. Quanto mais chances tivermos para promover esses encontros, mais poderemos identificar oportunidades de avanço da agenda institucional. Há diversos debates importantes ocorrendo em várias esferas públicas sobre eficiência em saúde, e o uso da saúde digital é essencial nessa equação. É uma grande oportunidade para colaborar com outras entidades e posicionar o MID nessa agenda, principalmente diante de um ecossistema de healthtechs tão diversificado que a associação tem, abrangendo desde pequenas e médias empresas (startups) do segmento de planos de saúde, plataformas digitais de telessaúde, diagnóstico, prescrição digital, até farmácia e assistência farmacêutica.
MID – Quais os principais pilares que permearão a atuação do Comitê?
Júlia Cestari – Espero que o Comitê seja um vetor para a colaboração e o avanço das discussões, mantendo um ambiente de construção e conexão entre os associados. Portanto, os principais pilares são colaboração, comunicação e priorização. A partir das próximas reuniões, meu objetivo principal é compreender cada vez mais as necessidades dos associados, tanto do ponto de vista setorial quanto regulatório e de políticas públicas. Dessa forma, fortaleceremos nossa visão e agenda institucional, criando oportunidades de diálogo com as autoridades em prol de um ambiente propício à inovação.
MID – Como você avalia o mercado de healthtechs atualmente e quais as principais tendências?
Júlia Cestari – Estamos passando por uma fase de expansão no mercado de healthtechs, impulsionada principalmente pela pandemia. Profissionais de saúde e pacientes têm se familiarizado cada vez mais com o uso de tecnologias e saúde digital para aprimorar a experiência de atendimento, diagnóstico e tratamento. Isso é evidenciado pelo HealthTech Report 2022, realizado pela Distrito, que aponta investimentos superiores a US$ 992 milhões nesse setor nos últimos cinco anos. Considerando-se o mercado de venture capital, estamos em uma fase de maturação, isto é, de entender como essas tecnologias, após a pandemia, se acomodam ao cotidiano desse “novo normal” e na prática dos profissionais de saúde. Da mesma forma, buscamos entender como as tecnologias têm reverberado no comportamento do paciente, e, principalmente, como que as healthtechs podem impactar positivamente para o sistema como um todo.
Vale lembrar que no Brasil, ao mesmo tempo em existe um grande desenvolvimento na utilização de inteligência artificial, wearables e IoT, o sistema de saúde em si enfrenta desafios antigos de sustentabilidade financeira e gargalos de acesso. A tendência, portanto, seria cada vez mais discutir como incorporar essa nova realidade da inovação tecnológica no atendimento em saúde como parte da solução desses desafios e necessidades do ganho de eficiência e sustentabilidade do setor, que tem sido discutido há anos.
MID – Em termos de tecnologia, quais as principais tendências na sua opinião?
Júlia Cestari – Com base em congressos e eventos nacionais e internacionais do setor, observamos um grande debate sobre o papel da tecnologia centrada na experiência personalizada do paciente, por meio da inteligência artificial e dispositivos wearables. A pesquisa TIC Saúde 2022, realizada pelo Cetic.br, já constatou o crescente uso pelos estabelecimentos de saúde de ferramentas de inteligência artificial, big data e robótica, o que tende a se consolidar nos próximos anos.
Além disso, há uma crescente atenção às discussões sobre a interoperabilidade de dados para melhorar a eficiência do atendimento e a tomada de decisões clínicas. Atualmente, os atendimentos em saúde possuem algumas redundâncias, como solicitações duplicadas de exames ou perda de informações do histórico do paciente. A discussão atual é como lidar com o crescimento exponencial do registro de dados do paciente, considerando a experiência cada vez mais digitalizada. Já podemos observar grandes hospitais, institutos e laboratórios de referência iniciando a padronização da linguagem em seus prontuários e dados de exames, além do uso de big data para proporcionar um atendimento mais completo ao paciente.
MID – Quais os principais desafios a curto, médio e longo prazo das healthtechs?
Júlia Cestari – Há a questão do desafio regulatório. Por exemplo, a telemedicina só teve sua regulamentação permanente sancionada há menos de seis meses. Como é natural no setor de inovação, avançamos rapidamente na prática, e a regulação precisa acompanhar esses novos processos, garantindo um acesso seguro e qualificado aos pacientes. Para isso, é crucial compartilhar experiências com as autoridades e os tomadores de decisão de forma ativa.
Em médio e longo prazo, é importante olhar para desafios mais estruturais, como tornar as tecnologias cada vez mais acessíveis em todo o sistema de saúde. Essas tecnologias têm um potencial enorme para democratizar o acesso, mas ainda enfrentamos desafios relacionados à desigualdade existente no país, como conectividade, infraestrutura de armazenamento seguro de dados e o conhecimento e a preparação dos profissionais. Embora esses desafios possam ser vistos isoladamente, prefiro enxergá-los como oportunidades para o setor de inovação preencher essas lacunas e promover avanços significativos.